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CARTA DOS PROFESSORES DA EM DE APLICAÇÃO CARIOCA MÁRIO PAULO DE BRITO

CARTA DOS PROFESSORES DA EM DE APLICAÇÃO CARIOCA MÁRIO PAULO DE BRITO À COMUNIDADE ESCOLAR
 
Prezada comunidade escolar:
 
Por meio desta carta pretendemos mostrar a todos e todas o posicionamento dos professores que assinam a mesma sobre as últimas informações veiculadas na imprensa local, a saber, o retorno às aulas presenciais das unidades escolares e creches públicas municipais da cidade do Rio de Janeiro.
 
É de conhecimento público que enfrentamos uma crise sem precedentes, devido à pandemia propagada pelo novo coronavírus. No dia de hoje, os números indicam um total de 162.842 mortos em nosso país. No município do Rio de Janeiro foram notificados até a presente data 20.600 óbitos.
 
A pandemia nos fez passar por um luto profundo e, para pessoas de diferentes gerações, um luto jamais até então experimentado: o luto real – perda de parentes, amigos, pessoas queridas, sem ter sequer a chance de um ritual de despedida – e o luto simbólico: a perda da rotina, o afastamento, o isolamento, o interrompimento brusco de laços afetivos pela necessidade de evitar aglomerações, sonhos adiados, incertezas constantes. Como profissionais de educação, comprometidos com juramento de formatura para a colação de nossos graus de licenciados, a zelar pelo bem público e “ser algo mais que um professor, um mestre que quer dignificar sua profissão e ser para os alunos um exemplo de luta constante à procura da sabedoria”1 , não podemos negligenciar o apelo da Ciência no momento vigente: não há ainda segurança sanitária para abertura de escolas, sem que haja amplo diálogo com a comunidade escolar, investimento em infraestrutura e transparência nos debates para tal retorno.
 
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está usando, desde o decreto de calamidade pública em estado de pandemia do nosso país, toda a sua equipe de profissionais especializados em soma de esforços para estudar as mutações do vírus em questão, estudar a produção de uma vacina eficaz, assim como dar o suporte pedagógico necessário – as instruções – para que saibamos como proceder diante da situação que se nos apresenta. A mesma disponibilizou um documento em 14 de setembro de 2020 registrando sua contribuição para o retorno às atividades presenciais nas escolas.
 
Interessante, ressaltar, no entanto, que em nenhuma das deliberações publicadas na forma de Circular ou nas reuniões com representantes da Câmara dos Vereadores que cobravam um debate amplo sobre o possível retorno, tal instituição fora convidada pela Secretaria Municipal, assim como o documento cujo trecho citamos abaixo, não fora, até então, utilizado nas orientações com as Regras de Ouro da SME-RJ para o retorno presencial de alunos e professores. Vamos ao trecho:
 
“Reconhecemos a escola como um agente estratégico para a promoção da saúde e prevenção de possíveis agravos. Deste modo identificamos como eixos importantes para este processo: a valorização do cenário epidemiológico da Covid-19, com destaque para a realidade loco-regional de onde está inserida a unidade e/ou rede escolar, observando que até o momento ainda estamos em  situação de pandemia; aspectos de biossegurança; o processo de adoecimento pela Covid-19 com  vistas  ao  melhor  monitoramento  e  vigilância  em  saúde,  permeado  por  incentivo  de permanente diálogo com toda a comunidade escolar. Observa-se ainda que as informações estão passíveis de
 mudanças a cada dia e com isso se reforça a necessidade de atualização constante de protocolos e condutas”  (h  ttps://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-publica-documento-sobre-retorno-aulas-presenciais, acesso em 06 de novembro de 2020, grifo nosso).
 
Destacamos aqui pontos que nos embasam em nossa decisão de recusa a um retorno imprudente neste momento: observação de que as informações são passíveis de mudança a cada dia, reforçando a necessidade de atualização constante de protocolos e condutas. Uma das informações passíveis de mudança e ainda sob investigação do corpo científico planetário é a questão da comorbidade. O fator comorbidade é um critério de agravamento das complicações advindas do contágio pelo novo coronavírus, mas não exclui outros indivíduos não comórbidos de não serem infectados e, mesmo assintomáticos,de transmitirem a doença.
 
Nesse caso, enfatizamos que no nosso corpo docente e quadro de funcionários há aqueles que estão incluídos no quadro de portadores de comorbidades ou agravantes, assim como há os que não estão. O que temos em comum, todos os professores que assinamos este documento, porém, é o nosso sério critério de CO-RESPONSABILIDADE, COMPROMISSO MORAL e COMPROMISSO CIDADÃO de zelarmos pela manutenção da vida da nossa comunidade. Nós, que abaixo assinamos esta carta, somos pessoas que exerceram fielmente seus papéis de educadores, ainda que longe do chão da escola, mantendo-nos firmes em nossos isolamentos sociais, nos distanciando de parentes e familiares dentro de todas as nossas possibilidades, não circulando para não fazer o vírus circular. Sendo assim, consideramos que não podemos retornar às aulas presenciais no presente momento:
 
– Sem que haja uma discussão ampla entre comunidade escolar – responsáveis, alunos, professores e funcionários – e comunidade científica;
 
– Sem garantia de segurança emocional, sanitária e alimentar dos nossos alunos;
 
– Sem que haja um objetivo claro de fins integralmente pedagógicos;
 
– Sem um planejamento unificado e seguro.
 
A despeito da possibilidade de apresentação de atestado médico que justifique o não comparecimento na Unidade Escolar em 11 de novembro de 2020, apresentamos aqui publicações que nos elucidam sobre o risco de agravamento do quadro de Covid-19 em pessoas que desconhecem possíveis comorbidades e risco de contaminação por assintomáticos, conforme os artigos:
 
As 'comorbidades silenciosas' que podem levar pacientes com covid-19 à morte  OMS: transmissão de Covid-19 por pacientes assintomáticos está acontecendo
 
Ressaltamos que de acordo com o Artigo 167 do Estatuto do Servidor Funcionário Público do Rio de Janeiro, está entre nossos deveres como servidores a lealdade e respeito às instituições constitucionais e administrativas a que servir. Nosso estatuto é uma prerrogativa legal subordinada à Constituição, que recebe normas diretivas de tratados internacionais de Direitos Humanos, do qual a OMS faz parte. Sendo assim, ao seguir as diretrizes de instituições científicas em consonância com as diretrizes do Organização Mundial de Saúde e, tendo em vista o artigo 5º da Constituição Brasileira que nos faculta o DIREITO À VIDA, estamos, como dever de agir com PRUDÊNCIA, REPUDIANDO o retorno NÃO PLANEJADO e NÃO SEGURO às aulas presenciais COM BASE NO EXERCÍCIO DO DIREITO À VIDA e NO COMPROMISSO DE ZELAR PELA VIDA de nossa comunidade escolar.
 
Não menos importante e alvo de nossas preocupações está também o nosso compromisso em lutar pela garantia do Direito à Educação de nossos alunos e alunas. O não retorno às aulas presenciais não significa que queremos nos isentar de nosso compromisso em educar, muito pelo contrário, como já mencionamos. Queremos, por meio desta carta, tornar pública a nossa comunidade que, os professores que assinamos este documento, entendemos que:
 
– O ano letivo deve ser repensado e replanejado, atendendo às necessidades de nossos alunas e alunos e,
 
– Principalmente, assegurando, até que não tenhamos segurança sanitária para o retorno, um ensino justo e igualitário.
 
O ensino remoto só pode ser contabilizado em horas-aula se for possível assegurar que TODOS e TODAS tenham acesso aos meios digitais e ferramentas de ensino a distância.
 
Tendo em vista, então, o respeito aos princípios de isonomia no tratamento dos alunos (corpo discente), reivindicamos:
 
– Que o poder público garanta acesso digital às atividades não presenciais, síncronas e assíncronas, seja através de dispositivos e/ou serviços de acesso a internet, uma vez que manteremos as atividades remotas propostas aos alunos nas plataformas digitais adotadas pela escola, conforme decidido em assembleia dos profissionais de educação em 10 de novembro de 2020.
 
Importante sublinhar que esse acesso hoje, mantido em decisão da categoria, não é garantido aos alunos e nem aos professores, que utilizam seus recursos próprios para exercer quaisquer atividades. Desta forma, todos os esforços, disponibilidade de materiais e oferta de experiências educativas pela escola, está restrita a uma parcela dos alunos. Sendo esse fato contrário à natureza da escola pública.
 
Concluindo, entendemos ser arbitrária a atual decisão de retorno às aulas presenciais publicada na CIRCULAR E/SUBG/ CGRH Nº3/2020 em especial por não apresentarem finalidades integralmente pedagógicas, nem sequer garante alimentação substancial aos alunos e alunas que comparecem. Assim como, nos parece muito suspeito o comportamento do atual prefeito que, sem nenhuma justificativa plausível que diferencie esse momento dos anteriores, e mesmo com todas as condições acima citadas, decide decretar retorno das atividades escolares, em um momento às vésperas da eleição municipal.
 
Com o desejo profundo de que dias melhores venham para a educação pública do município do Rio de Janeiro, assinam este documento:
 
Adriana Maria de Souza Araújo Agapito Ribeiro Júnior
Aleteia Maria da Silva Alexandre Neves Lopes Aline dos Santos Amorim Amanda Silva Barros Inês Cardoso da Rocha
Leonardo dos Santos Leoni Lícia Claudia S. Rodrigues Luso Liberato Caravelos Filho
Maria Nathalia Medeiros Segtovich Rocky Heliprio Lopes Santos Sylvio dos Santos Val
 
Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2020